Psicologia do Esporte · Todos os posts

O esporte e a “saúde psicológica”

Texto apresentado em evento realizado pelo Instituto Ayrton Senna, em 2005 

Este tema desta mesa aborda aspectos da saúde e suas relações com as atividades físicas e o esporte. Várias são as questões inerentes ao tema. Uma delas é o velho chavão “ Esporte é saúde”.

Inicialmente seria importante traçar o limite entre atividade física e esporte. Há sempre uma grande confusão entre esses dois termos. Em alguns casos eles são colocados como sinônimos, em outros o esporte é tido como uma das atividades físicas e há ainda correntes que os colocam em posições diametralmente opostas.

Em nosso caso tentaremos abordar o esporte como uma atividade física que tem algumas características bem definidas, conforme aponta Barbanti (2005). Para o autor, esporte não tem uma definição precisa, pois há grande diversidade de significados para o fenômeno. No entanto, esporte nos remete a uma atividade física institucionalizada que envolve esforço físico vigoroso, uso de habilidades motoras relativamente complexas e que exige motivação dos indivíduos para participar. Seu objetivo é comparar rendimentos e a competição é fator inerente à sua prática.

Esse “esporte” exige do atleta o cumprimento de uma lista enorme de exigências para poder atingir seus objetivos e, principalmente, manter-se nesse status. São muitas horas de treinamento intensivo, jogos e viagens permeadas por problemas pessoais e de relacionamento com colegas, técnicos e dirigentes, lesões e, principalmente, as pressões naturais da competição a que são submetidos frequentemente.

No caso dos atletas de alto nível e, em algumas vezes para aqueles que estão iniciando sua carreira, a dedicação deve ser total. Na atual conjuntura do esporte não se pode imaginar o atleta em meio período ou treinando duas ou três vezes por semana (como era comum há alguns anos). Os atletas abdicam, muitas vezes, de suas preferências pessoais, de seus relacionamentos e de sua vida social em prol de uma causa que eles (ou que outros) julgam plenamente justificável.

Pensando em todo esse esforço e sacrifício, podemos imaginar um terrível paradoxo. Ou seja: para agüentar essa demanda os atletas são preparados e, consequentemente, gozam de uma saúde de ferro. No entanto, essa mesma preparação, aliada a todos os fatores inerentes à prática esportiva de alto nível pode provocar um desequilíbrio nos diferentes fatores que fazem parte da preparação de um atleta: físico, técnico, tático e psicológico. Esse desequilíbrio, de certa forma, pode afetar a saúde desse atleta trazendo conseqüências de ordem física, psicológica e social.

Dentre esses três fatores, abordarei de forma mais direta o psicológico e mais especificamente o stress provocado pelo processo competitivo ao qual esses atletas são submetidos (entenda-se como processo competitivo toda a preparação individual e coletiva e a competição propriamente dita).

Dentre os fatores de stress mais comuns em um processo competitivo encontramos os fatores competitivos e os fatores extra-competitivos. Dos fatores competitivos podem ser ressaltados os estados psicológicos (medos, preocupações, expectativas e inseguranças); situações de jogo (situações específicas de cada esporte, arbitragem, técnicos, torcida, adversários); preparação da equipe (treinamento e infra-estrutura); planejamento e organização (federações, calendários); pressões externas. Dos fatores extra-competitivos podem ser destacados os relacionamentos, problemas com escola, trabalho e financeiros e os fatores sociais (amizades e vida social).

O trabalho de planejamento das atividades (treinamento e jogos) é primordial no combate a esse stress, pois se os atletas não tiverem momentos de descanso poderão apresentar respostas inadequadas que poderão variar desde respostas físicas/fisiológicas, psicológicas (emocionais e cognitivas) e sociais. O conjunto desses fatores atuando sobre o atleta pode levá-lo a uma situação de sobrecarga de trabalho que seguramente afetará sua saúde, por mais bem preparado que possa estar.

Portanto, a atenção ao estado de saúde do atleta deve ser constante, desde o período de iniciação esportiva, quando as crianças começam a tomar contato com o esporte e, principalmente, com a competição. Neste caso o processo de formação e especialização esportiva deve ser considerado a partir das características do praticante, suas necessidades e expectativas. Cuidar para que o treinamento seja introduzido gradativamente, sem exageros e pressões pode garantir uma vida longa para o futuro atleta mas, principalmente, uma qualidade de vida adequada para que ele continue praticando o esporte de forma saudável e prazerosa, mesmo  que não consiga atingir os altos níveis de competição e sucesso.

Imaginar que a prática esportiva massiva, com treinamentos intensivos pode levar a uma condição de ser inatingível pelas doenças que são comuns somente aos “seres humanos” é um terrível engano. Atletas, antes de mais nada, são pessoas comuns, que têm habilidades diferenciadas, mas que sentem dor, emocionam-se e sofrem como qualquer cidadão comum.

Referência bibliográfica

Barbanti, V.J. Dicionário de Educação Física e Esporte (2ª. Ed). São Paulo, Manole, 2005, p.228.